Bem-vindos de volta à série de convidados!
Hoje tenho o prazer de receber a queridíssima Anna Ligia Pozzetti, intérprete de japonês.
Bem-vinda, Anna!

Crédito: Alain Pham, Unsplash
Bilíngue e bicultural: o tradutor e intérprete completo
Ao assistir a uma peça de Kabuki, tipo de teatro tradicional japonês, um estrangeiro desavisado pode ficar intrigado com os ajudantes de palco, vestidos dos pés à cabeça de preto, que entram em cena para auxiliar a troca de roupa dos atores durante as apresentações. Eles são chamados de Kuroko (黒子), e os dois ideogramas utilizados significam “preto” e “pessoa”. Mas o que essa palavra significaria caso fosse usada em uma reunião de negócios, sem nenhuma relação com qualquer linguagem artística japonesa? Significa alguém que ajuda os outros sem aparecer em público, alguém que dá suporte nos bastidores: um consultor externo, um conselheiro e, também, o tradutor ou intérprete. Expressões como essas estão presentes em todos os idiomas e, muitas vezes, precisamos realizar adaptações para que uma expressão faça sentido em outra cultura.
Um intérprete profissional consegue rapidamente realizar essas adaptações com sucesso, pois não basta ser bilíngue; é também preciso ser bicultural.
Falando nos problemas de comunicação que podem surgir, vamos começar com a questão puramente linguística. No caso do Japão, por exemplo, uma parcela significativamente pequena da população consegue se comunicar bem em inglês. O país tem a pior nota do TOEFL da Ásia, em termos de conversação, e estima-se que não mais de 7% dos japoneses em posição de liderança falam inglês. Por outro lado, para um estrangeiro conseguir dominar o idioma japonês a ponto de transmitir com acurácia a sua intenção é necessário conhecer mais de dois mil ideogramas, para início de conversa.
Mas os percalços na compreensão do conteúdo de uma reunião também acontecem como resultado dos diferentes valores culturais e costumes. Na conversação, apesar de ambos os lados acreditarem que realizar uma boa explicação é o suficiente para o entendimento mútuo, há um grande gap de crenças e comportamentos que são únicos a cada cultura. Por exemplo, um japonês não olhará diretamente nos olhos do seu interlocutor estrangeiro, pois é uma atitude considerada rude em seu país. Já um brasileiro pode ficar bastante incomodado com essa atitude, levantando suspeitas sobre as intenções do japonês com quem está conversando. Por outro lado, um brasileiro não ter todo o apreço com o cartão de visita como os japoneses tem, o que inclui regras de como entregar, receber e guardar, não significa que não há respeito pelo seu interlocutor. Só significa que nós não temos esse mesmo costume, e o cuidado com aquele pedaço de papel significa bem menos para nós do que para eles.
No caso da tradução, um exemplo interessante é o caso do slogan da Nike. No livro Translating Cultures: An Introduction for Translators, Interpreters and Mediators, de David Katan, o autor explica o caso publicado na Business Week, em 25 de abril de 1992. A Nike estabeleceu o seu slogan “Just Do It” em 1988. A ideia original não era traduzir o slogan, pois o objetivo do CEO era enfatizar que a marca é americana, algo que, na época, era considerado um grande atrativo. Além disso, vários idiomas não tinham uma estrutura semântica com três palavras que expressasse essa ideia. Yukihiro Akimoto, que se tornaria o CEO da Nike Japan, foi para os Estados Unidos para passar quatro meses imerso na cultura empresarial da Nike. No entanto, após esse período, a sua proposta para a tradução seria “Hesitar é perder tempo” (Hesitation makes waste/躊躇するな). O time da Nike ficou horrorizado, e a proposta foi refutada imediatamente. Segundo a revista, a dificuldade em encontrar uma tradução equivalente ao “Just Do It” encontrou, no Japonês, não só a barreira semântica, mas também cultural. No Japão, “feito não é melhor que perfeito”, e existem diversas etapas de planejamento e organização antes da etapa de concretização de um projeto. Um famoso provérbio japonês diz que é preciso permanecer sentado por três anos na pedra para aquecê-la. É preciso tempo. O slogan continua em inglês até hoje, pois seria impossível fazer adaptações culturais para cada país.
Nesse sentido, ao iniciarmos uma tradução ou interpretação, não basta termos o domínio do idioma, pois isso não nos fará um bom kuroko, que estará fazendo todo o trabalho nos bastidores da adaptação cultural. O sucesso é atingido quando o leitor não sente uma falta de naturalidade no texto ou quando o participante de uma conferência ou reunião não se sente incomodado em ouvir a voz de outra pessoa. E para sermos ao máximo invisíveis, precisamos transmitir uma ideia falada, dentro de um contexto cultural, de forma que faça sentido no idioma de alguém que advém de outra cultura. Transmitindo a ideia correta, sem alterar o seu sentido, é claro. Ou seja, além de ter um excelente domínio de ambos os idiomas, o tradutor/intérprete é um importante comunicador intercultural e vai muito além do trabalho da tradução automática, que simplesmente substitui as palavras. Ele vai além das palavras e auxilia a minimizar o gap de comunicação que surge por questões culturais.
Sobre a autora

Fotógrafa: Lívia Conti
Anna Ligia Pozzetti é formada em Ciências Econômicas pela Unicamp e mestre em história econômica pela mesma Universidade, onde teve a oportunidade de estudar economia e ciência politica por um ano na School of Political Science and Economics da Universidade de Waseda, em Tóquio. Com mais de 7 anos de experiência como tradutora e intérprete de japonês, sendo certificada pelo Center for Interpretation and Translation Studies da Universidade do Havaí onde cursou o Summer Intensive Interpreter Training Program em 2019. A sua conexão com o idioma e a cultura japonesa é decorrente dos 6 anos em que viveu no Japão ao longo da infância, onde adquiriu a fluência no idioma e incorporou a cultura em suas raízes.

Sonia Rodríguez Mella é contadora, tradutora de português e autora do Diccionario ACME Español-Portugués/Portugués-Español, publicado pela Editorial Acme Agency, da Argentina, e supervisionado pela Editora Nova Fronteira, do Brasil. Trabalha de forma autônoma desde 1993. Antes dividia seu tempo entre as duas profissões, mas, em 2005, decidiu dedicar todos os seus esforços à área de tradução. Em 2010, criou o blog 
Regiane Winarski é formada em Produção Editorial pela ECO-UFRJ e tradutora de inglês para português desde 2009. Especializada em tradução literária para editoras como Suma, DarkSide, Rocco, Intrínseca, Record e outras, com mais de cem livros publicados. Trabalha com uma ampla variedade de gêneros, como fantasia, suspense/horror e romances para adultos e jovens adultos, de autores como Stephen King, Rick Riordan e David Levithan. Tradutora do premiado livro de 2017 “O ódio que você semeia”, de Angie Thomas, publicado pela Galera Record.
Rane Souza é intérprete, tradutora e professora de inglês e português para estrangeiros. No âmbito do magistério, ministra aulas particulares prioritariamente para adultos. No mercado de tradução escrita, atua principalmente nos segmentos editorial, tendo vertido ao inglês as obras Abrolhos Terra e Mar, de Rafael Melo (Editora Bambalaio, 2017) e Ver, de Antônio Bokel (Editora Réptil, 2017); e jurídico, com foco na tradução e versão de contratos. Como intérprete de conferências, trabalha nos mercados corporativos privados e do terceiro setor.



Graziele Grilo tem bacharelado em Ciências Políticas pela UNICAMP e acaba de concluir o mestrado em Estudos de Gênero pela Towson University (EUA). Sua dissertação foi na área de gênero, política, raça e turismo no Brasil. Também se interessa muito pela atual crise mundial de refugiados. Acaba de auxiliar na criação, além de participar ativamente, de um projeto com alunos de ensino médio refugiados da África e Oriente Médio, que visou utilizar as artes como meio de expressão e ativismo para esses alunos, em um contexto no qual o idioma pode ser barreira na comunicação. Atua como tradutora freelance desde 2012 nos idiomas português, inglês e espanhol. É torcedora do São Paulo Futebol Clube, ama Pearl Jam e se aventurar na cozinha.

Silvana Ayub é graduada em letras, artes plásticas e comércio exterior. Tem pós-graduação em estudos da tradução pela PGET–UFSC. Já foi freelance, hoje é voluntária. Queria ser comissária, mas, por ser baixinha, não conseguiu. Queria ser arquiteta, mas a matemática sumiu. É 50% curitibana e 50% florianopolitana, professora de inglês e tradução em Curitiba. Gosta de culinária e aprecia um bom café e uma boa conversa. Desistiu do Facebook e não se arrepende, mas responde a e-mails com relativa rapidez. Pode escrever, se quiser: 
Débora França de Oliveira é estudante de Letras – Português e Inglês na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Apaixonada pela língua inglesa. Tem grande interesse na área da tradução.