Guest post: Tradutor de português no exterior

Sejam bem-vindos de volta a mais uma publicação de convidado!

Hoje, recebo o Fabio Said, tradutor de português e alemão residente na Alemanha, que contará como foi conquistar o mercado alemão e como é trabalhar com português morando fora do país.

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Fonte: Pixabay

Trajetória como tradutor de português na Alemanha

Quando saí do Brasil e transferi minha atividade profissional de tradutor para a Alemanha, eu já tinha 14 anos de experiência no mercado, trabalhando sobretudo para clientes diretos, inclusive alemães. Além disso, já tinha uma noção clara da mentalidade cultural do meu novo país, pois a mudança não foi repentina. Porém, devido a circunstâncias de mercado e a uma vontade constante de me aperfeiçoar, meu perfil como tradutor de português é, hoje, bem diferente daquele que eu tinha no Brasil. Abaixo contarei um pouco sobre como foi essa trajetória.

Primeira fase: retenção de clientes no Brasil

Nos primeiros anos de minha nova vida na Alemanha, continuei trabalhando para clientes localizados no Brasil. Seria um grande erro descartar os bons contatos e o fluxo de renda conquistado a duras penas no Brasil. A tradução editorial me pareceu ser a área de atuação ideal para essa continuidade, pois o tradutor de livros não precisa estar no mesmo país da editora. Morar na Alemanha e traduzir para editoras brasileiras só foi possível porque mantive conta bancária no Brasil, além de meu CPF brasileiro.

Outro grupo de clientes que possibilitaram minha sobrevivência profissional no novo país foram as agências. Na época, eu trabalhava com algumas agências dos Estados Unidos e Áustria, que não tinham a mesma burocracia das agências brasileiras, além de pagarem tarifas bem melhores.

Segunda fase: foco internacional

As coisas começaram a mudar por volta da segunda metade de 2008, quando a crise financeira estava assumindo proporções mundiais e, aparentemente, os grandes bancos da área de gestão de ativos estavam procurando incrementar sua comunicação com clientes de alto poder aquisitivo investindo mais pesadamente na tradução de materiais de marketing financeiro. Notei que diversas agências internacionais com foco em tradução financeira e corporativa estavam em busca de tradutores e fui aceito por algumas delas. Também fazia muitas traduções de Engenharia Industrial e Gestão da Qualidade, que, na época, ainda estavam entre minhas áreas de especialização. Em pouco tempo, o fluxo de trabalho já era tão bom que me permitiu encerrar os negócios com clientes do Brasil, a começar pelas editoras.

É bom lembrar que o real ainda não estava tão desvalorizado, mas eu definitivamente não tinha a intenção de continuar ganhando em reais para gastar em euros – pagando taxas de câmbio exorbitantes toda vez que sacava dinheiro da minha conta brasileira. Esse é, a meu ver, um dos grandes problemas de profissionais que mudam de país mantendo vínculos financeiros com o país de origem. Além da diferença cambial, há ainda o fator tributário, pois quanto mais vínculos financeiros o profissional mantém com o país de origem, mais complicada se torna a burocracia com a declaração do imposto de renda no novo país.

Nessa minha fase “internacional”, também me dediquei bastante à construção de relacionamentos com o mercado de tradução global, por meio de associações de tradutores, mídias sociais e congressos. Meu antigo blog trilíngue de tradução, o “Fidus Interpres”, foi criado nessa época, dando origem a um livro de mesmo nome. Foi um período de muito aprendizado e troca de experiências. É sempre bom ampliar os horizontes e conhecer perspectivas diferentes – e isso só é possível quando você investe em networking.

Terceira fase: “local is the new global

Com o tempo, trabalhar para agências de tradução internacionais e cada vez menos para clientes diretos já não me trazia tanta satisfação em termos pessoais e intelectuais. O fluxo de renda era bom, mas o ritmo era intenso demais, com condições de trabalho cada vez mais desinteressantes, e eu quase não tinha contato com as pessoas que realmente usariam minhas traduções (afinal, agências são intermediários). Estava na hora de mudar de foco.

O caminho natural foi voltar a atuar na tradução juramentada. Nessa área, na qual eu havia trabalhado durante vários anos no Brasil, como assistente de um tradutor juramentado e depois como juramentado ad hoc, é possível ter um contato maior com os usuários das traduções, aprendendo sobre suas histórias de vida e percebendo imediatamente o benefício que meu trabalho traz para eles. Além disso, minha segunda principal área de trabalho na época era a tradução jurídica, além da financeira, e eu ainda tinha meu grande banco de dados de traduções juramentadas e de terminologia jurídica construído no Brasil, de modo que poderia tirar um bom proveito desse material como tradutor juramentado na Alemanha.

Para cumprir os requisitos legais e obter o título de Tradutor Público e Juramentado em três estados na Alemanha, tive de fazer um curso e prova de linguagem jurídica alemã e obter uma qualificação adicional como tradutor de acordo com o sistema educacional alemão. O título em si não garante nada, pois os tradutores juramentados da Alemanha não têm uma “reserva de mercado” e precisam lutar muito, em razão da concorrência brutal, para conquistar cada cliente. Felizmente, fui bem aceito pelo mercado alemão de tradução juramentada, sobretudo pela comunidade de imigrantes brasileiros, e em 6 anos conquistei mais de 1.200 clientes, sendo que muitos deles retornam com novos trabalhos.

Minha intenção era traduzir sobretudo do alemão para o português, minha língua materna. Porém, devido à burocracia brasileira, traduções juramentadas para o português feitas em outros países geralmente não são aceitas no Brasil. Dessa forma, passei a traduzir mais e mais do português para o alemão. E gostei. Gostei tanto que passei a investir mais em seminários e cursos de aperfeiçoamento em linguagem jurídica alemã, organizados pela associação alemã de tradutores BDÜ, da qual sou associado. Hoje, cerca de 85% dos meus rendimentos são com tradução juramentada; destas, 90% são em alemão (jurídico), para uso exclusivamente no território da Alemanha. Além disso, somente aceito pagamentos na moeda do meu país (euros). Minha empresa não tem mais conta bancária no Brasil e trabalha quase sempre para clientes locais. Meus vínculos com o Brasil e com a língua portuguesa são mantidos, claro, pelas vias de sempre (viagens, leituras), mas no plano profissional faz mais sentido investir 100% no novo país do que manter “um pé aqui e outro lá”.

Para alguns, esse foco local pode parecer temerário. Por outro lado, para citar um bordão muito frequente entre analistas da globalização, “local is the new global”. De qualquer forma, saber se adaptar às circunstâncias e aproveitar oportunidades é uma questão de sobrevivência profissional.

Sobre o autor
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Fabio Said é tradutor de inglês desde 1993 e de alemão desde 1999, especializado em linguagem jurídica e financeira. Vive na Alemanha desde 2007, onde é Tradutor Público e Juramentado de português-alemão e mantém a empresa de tradução “Lingua Brasilis Übersetzungsbüro Fabio Said”. É autor do livro “Guia do tradutor: melhores práticas” (2013). Twitter: @fabiomsaid

Guest post: Trabalho com agências

Sejam bem-vindos de volta à nossa série de convidados!

Hoje recebemos a Gisley Rabello Ferreira, fundadora da Wordlink Traduções e membro do Comitê de Administração do Programa de Mentoria da Abrates.

Bem-vinda, Gisley!

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Source: Unsplash

Nossos clientes: como anda o relacionamento entre LSPs e agências globais de tradução

Uma das principais dúvidas do tradutor profissional é: devo trabalhar para clientes diretos ou agências de tradução? Sem dúvida, trabalhar para clientes diretos é mais lucrativo, mas muitas vezes pode significar ter que realizar mais tarefas fora do escopo da tradução propriamente dita: orçamento, preparação de arquivos, DTP (diagramação e formatação), revisão final, entre outras. As agências pagam menos, mas, realiza todas as tarefas colaterais do projeto, e o tradutor pode se concentrar em seu maior talento: traduzir. Nas duas situações, há prós e contras, e cabe a cada profissional priorizar o tipo de cliente a que se adapta melhor. Assim, é preciso entender quem são nossos clientes, o papel deles na cadeia de fornecimento do mercado e onde nós, fornecedores linguísticos, nos colocamos nessa cadeia.

Trocando em miúdos, no mercado de tradução, há dois principais tipos de clientes: os clientes diretos e as agências de tradução. Os clientes diretos são pessoas físicas ou empresas que contratam profissionais independentes ou empresas e agências de tradução para projetos de tradução. As agências de tradução podem ser empresas globais, que atuam com inúmeros idiomas e têm escritórios em vários países, ou pequenas empresas de tradução, que trabalham com um número limitado de idiomas e prestam serviços tanto para clientes diretos quanto para agências globais. Mas, como assim? Agências que trabalham com agências? Complicado? Nem tanto. As agências pequenas, além de serem clientes dos tradutores independentes, são também fornecedores linguísticos para clientes diretos e agências globais, o que as coloca nas duas posições do mercado: contratante (agência) e contratado (LSP, language services provider).

As pequenas empresas/agências de tradução são estruturadas de modo a atender muito bem tanto a clientes diretos quanto a agências de tradução globais. Aos clientes diretos, elas dão todo o suporte necessário em projetos de tradução completos (desde o orçamento detalhado até o produto finalizado, seja ele um website, um vídeo legendado ou um simples documento), já que têm uma carteira de colaboradores diversificada, contando com colaboradores de tradução, revisão, editoração, legendagem, entre outros. Para agências de tradução globais, essas empresas fornecem o que chamamos de TEP (translation, editing, proofreading), que nada mais é do que a tradução revisada e verificada em seu formato final: três etapas do processo garantidas por um único fornecedor, além de uma infraestrutura de gerenciamento de projetos e qualidade personalizada.

Qual é a vantagem para as agências globais em se relacionarem com pequenas empresas fornecedoras de tradução? Apesar de as agências globais contarem com muitos profissionais independentes de tradução e revisão para seus fluxos de trabalho em projetos de tradução, contratando-os como tradutores, revisores, especialistas em controle de qualidade, líderes de projeto e muitas outras funções, elas contam também com as pequenas agências de traduções baseadas nos países onde se fala a língua-alvo contratada. O papel dessas pequenas empresas como LSPs é, além de fornecer TEP, dar apoio de infraestrutura e fluxo de trabalho, principalmente em projetos de contas grandiosas, para os quais é difícil conseguir tantos recursos com o perfil específico da conta e gerenciar um controle de qualidade eficiente. As pequenas agências de tradução então atuam como parceiras das agências globais, auxiliando na formação e no treinamento de equipes de tradução e revisão, controlando a qualidade com um profissional fixo para aplicar LQAs, gerenciar glossários, tirar dúvidas da equipe, servir de intermediário entre cliente e tradutores etc. e contando com uma equipe de gerentes de projetos dedicados especialmente aos trabalhos dessas contas.

Mas, para as pequenas agências, é vantagem ter esses clientes? Se a agência global pagar o preço justo para essa parceria tão importante e complexa, vale. Como sabemos, no Brasil temos uma carga tributária muito grande para pessoas jurídicas. Isso é um fator que não chega a impedir, mas que torna bem complexa a contratação de funcionários para desempenhar algumas funções que requerem um comprometimento maior com o trabalho. Trabalhar com profissionais independentes (ou freelancers, como muitos gostam de chamar) para essas funções é uma saída, mas, como esses profissionais têm inúmeros clientes, fica complicado exigir um compromisso de quase exclusividade. Ainda assim, é vantagem trabalhar com agências globais, não só pela receita, mas também pela oportunidade de aprender cada vez mais sobre as mais novas ferramentas e tendências do mercado. Dependendo da parceria que as empresas de tradução têm com as agências globais, seus funcionários e colaboradores recebem treinamento, lidam com os seus clientes diretos em algumas tarefas e até viajam para outros países para testar produtos e realizar projetos específicos. Por outro lado, pode ser difícil para a pequena empresa lidar com os volumes desse tipo de cliente, pois manter uma carteira de colaboradores disponíveis é um desafio. E, em geral, as agências globais especificam volumes mínimos semanais em contrato, então, é preciso se preparar bem para cumprir o combinado, aliando prazo e qualidade.

Para o tradutor independente, ter uma pequena agência de tradução como cliente é trabalhar com profissionais que, acima de tudo, entendem perfeitamente o papel dos tradutores e as dificuldades que eles têm em projetos específicos. É a chance de trabalhar com quem também já passou e passa por essas dificuldades e provavelmente já tem soluções para algumas delas. E, se não tem, certamente vai se esforçar para buscá-las, pois o seu objetivo é o mesmo que o do tradutor: manter o cliente feliz.

No frigir dos ovos, a verdade é só uma: estamos todos no mesmo barco. Assim, precisamos todos – tradutores, revisores, agências – deixar os preconceitos de lado e tentar manter uma relação saudável, sempre com muito diálogo sobre o papel de cada parte nesse relacionamento e sobre tarifas, o verdadeiro tabu entre nós. Tenhamos em mente que nossos objetivos são iguais, portanto, se tivermos uma boa convivência, todos lucramos, tanto em receita quanto em conhecimentos. Para chegar a esse ponto, é preciso refletir bastante sobre o que cada parte representa no mercado e procurar enxergar e, principalmente, praticar parcerias nessas relações, em vez de concorrências.

Sobre a autora
GisleyGisley Rabello Ferreira
 é tradutora, revisora, transcreator e especialista em controle de qualidade nos pares inglês > português brasileiro e espanhol > português brasileiro, principalmente para as seguintes áreas: TI, técnica, comercial, e-learning, localização, saúde e beleza, marketing. É falante nativa de português brasileiro e tem vasta experiência com a língua inglesa e espanhola. É bacharel e licenciada em inglês e literaturas americana e inglesa (UERJ), com pós-graduação em tradução nos idiomas inglês e português (PUC-RJ), e bacharel em espanhol e português e suas respectivas literaturas (UERJ). Atuou de 1990 a 2000 no mercado como tradutora interna em multinacionais americanas do setor de TI e como freelancer em projetos de setores variados para várias agências nacionais. Em abril de 2001, fundou a Wordlink Traduções e ampliou sua área de atuação, passando a oferecer pacotes completos de soluções linguísticas, utilizando as ferramentas e os aplicativos mais modernos do mercado, para clientes nacionais e internacionais. Hoje, também atua como gerente de projetos sênior, além de supervisionar toda a equipe da empresa.