Guest post: Inglês jurídico

Sejam bem-vindos de volta à série de convidados do blog!

A convidada deste mês é a Bruna Marchi, do Descomplicando o Inglês Jurídico e do DIRECTI (que será realizado na semana que vem, em São Paulo, com a possibilidade de participação online). Se você trabalhar com a área jurídica, não pode deixar de segui-la nem perder o DIRECTI (as inscrições ainda estão abertas, e os seguidores da minha newsletter têm desconto!).

Seja bem-vinda, Bruna!

rob-girkin-BWRY6qXMxfU-unsplash

Photo by Rob Girkin on Unsplash

Esse tal de inglês jurídico

A linguagem técnica em um idioma estrangeiro é sempre um grande desafio. Com a crescente colaboração entre os países nos âmbitos comercial e econômico, o intercâmbio de informações flui com muita rapidez.

Imagine-se um médico brasileiro que tenha a oportunidade de fazer um curso de especialização em um país de língua inglesa. Estudar os termos técnicos em inglês é de primordial importância e um grande desafio. Esse profissional terá que estudar como se diz “cabeça”, “cirurgia”, “bisturi” e outras expressões em inglês. Possuir bons dicionários e material de referência é essencial. Uma vez que o médico aprenda esses e outros termos principais na língua inglesa, está preparado para enfrentar as aulas em um país estrangeiro.

Vejamos, agora, o exemplo de um jurista que tem a oportunidade de fazer um mestrado em direito (conhecido como L.LM.) nos Estados Unidos. Assim como o médico do parágrafo acima, ele terá que estudar a linguagem técnica em inglês, nesse caso, a linguagem técnico-jurídica. Além de todos os desafios enfrentados pelo médico na busca pela aquisição da linguagem técnica, o advogado se deparará com mais um obstáculo: o fato de, na grande maioria das vezes, não haver uma equivalência absoluta entre os termos jurídicos em português e inglês. Um dos exemplos clássicos dados nessa situação é a tradução, para o inglês, do termo latrocínio, uma vez que não há uma palavra única, na língua inglesa, que transmita esse conceito.

O profissional do Direito, porém, jamais poderá se imiscuir em verter para o inglês o conceito que precisa usar para se expressar corretamente. Um instrumento essencial é o uso do direito comparado para aproximar conceitos entres sistemas jurídicos de países distintos, ou seja, com o conhecimento prévio, neste caso específico, do sistema jurídico brasileiro, o profissional deve-se dedicar a conhecer, ao menos, a estrutura geral do direito estrangeiro, para, só então, iniciar o processo de verter conceitos de uma língua para outra. Segundo Soares “[…] o ‘Direito Comparado’ tem uma realidade no universo do direito-ciência, uma vez que sempre será possível realizar-se uma comparação de sistemas jurídicos de países diferentes, com metodologia científica, estabelecer princípios comuns e diferenciados, inclusive até mesmo uma teoria geral do comparativismo jurídico, (à maneira de uma gramática universal de todas as línguas existentes). No Direito Comparado, o que se tem em mira, é realizar uma comparação e, feita esta, partir para uma dupla tarefa: a) conhecer cada termo, isoladamente, na sua individualidade e especificidade, em cada sistema frente a frente e b) da aproximação de ambos, distinguir os elementos que existem em comum e, a partir do descobrimento de valores comuns, realizar a Comparação. O Direito Comparado deverá propiciar julgamentos de valor do tipo ‘são equivalentes’, ‘produzem efeitos semelhantes, dadas as mesmas circunstâncias’, ‘são equiparáveis, desde que se desprezem tais ou quais elementos factuais’, julgamentos esses que devem propiciar a uma decisão final que, no fundo, residiria em ‘reconhecer um instituto desconhecido’ nos seus efeitos, num determinado ordenamento jurídico.”

Uma sugestão enfática é o uso de dicionários jurídicos reconhecidos no mercado. Um deles é o Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade, inglês–português, do Marcílio. O autor permitiu a sua distribuição gratuita, em PDF. Aproveite e baixe-o aqui. Um dos dicionários inglês–inglês mais respeitados no mercado é o Black’s Law Dictionary. Acesse-o gratuitamente.

Um pergunta que muitos tradutores me fazem é a seguinte: “É essencial ter graduação em Direito para ser um bom tradutor jurídico?” Minha resposta é: não é essencial ser formado em Direito para ser um bom tradutor jurídico, porém, é indispensável, sim, ter conhecimentos básicos de Direito Comparado. Além do mais, essa tarefa é bem divertida!

Sobre a autora
4Bruna Marchi é advogada e pós-graduada em Interpretação de Conferências Inglês<>Português pela PUC-SP. Tem extensão universitária no Curso de Direito Norte-Americano, pela Fordham University, de Nova Iorque. É pós-graduanda em Direito Penal e Direito Processual Penal. É sócia-fundadora da empresa Descomplicando o Inglês Jurídico e criadora do canal do YouTube Descomplicando o Inglês Jurídico. Atua como professora de inglês jurídico e direito comparado, além de ministrar palestras sobre esses tópicos. Trabalha como criadora de cursos de inglês jurídico para a magistratura e os Ministérios Públicos Estaduais, no Instituto Educere, de Brasília. É professora do curso de Extensão Universitária de Inglês Jurídico da PUC-SP.

Guest post: Tradutor de português no exterior

Sejam bem-vindos de volta a mais uma publicação de convidado!

Hoje, recebo o Fabio Said, tradutor de português e alemão residente na Alemanha, que contará como foi conquistar o mercado alemão e como é trabalhar com português morando fora do país.

trajetoria-como-tradutor-de-portugues-na-alemanha

Fonte: Pixabay

Trajetória como tradutor de português na Alemanha

Quando saí do Brasil e transferi minha atividade profissional de tradutor para a Alemanha, eu já tinha 14 anos de experiência no mercado, trabalhando sobretudo para clientes diretos, inclusive alemães. Além disso, já tinha uma noção clara da mentalidade cultural do meu novo país, pois a mudança não foi repentina. Porém, devido a circunstâncias de mercado e a uma vontade constante de me aperfeiçoar, meu perfil como tradutor de português é, hoje, bem diferente daquele que eu tinha no Brasil. Abaixo contarei um pouco sobre como foi essa trajetória.

Primeira fase: retenção de clientes no Brasil

Nos primeiros anos de minha nova vida na Alemanha, continuei trabalhando para clientes localizados no Brasil. Seria um grande erro descartar os bons contatos e o fluxo de renda conquistado a duras penas no Brasil. A tradução editorial me pareceu ser a área de atuação ideal para essa continuidade, pois o tradutor de livros não precisa estar no mesmo país da editora. Morar na Alemanha e traduzir para editoras brasileiras só foi possível porque mantive conta bancária no Brasil, além de meu CPF brasileiro.

Outro grupo de clientes que possibilitaram minha sobrevivência profissional no novo país foram as agências. Na época, eu trabalhava com algumas agências dos Estados Unidos e Áustria, que não tinham a mesma burocracia das agências brasileiras, além de pagarem tarifas bem melhores.

Segunda fase: foco internacional

As coisas começaram a mudar por volta da segunda metade de 2008, quando a crise financeira estava assumindo proporções mundiais e, aparentemente, os grandes bancos da área de gestão de ativos estavam procurando incrementar sua comunicação com clientes de alto poder aquisitivo investindo mais pesadamente na tradução de materiais de marketing financeiro. Notei que diversas agências internacionais com foco em tradução financeira e corporativa estavam em busca de tradutores e fui aceito por algumas delas. Também fazia muitas traduções de Engenharia Industrial e Gestão da Qualidade, que, na época, ainda estavam entre minhas áreas de especialização. Em pouco tempo, o fluxo de trabalho já era tão bom que me permitiu encerrar os negócios com clientes do Brasil, a começar pelas editoras.

É bom lembrar que o real ainda não estava tão desvalorizado, mas eu definitivamente não tinha a intenção de continuar ganhando em reais para gastar em euros – pagando taxas de câmbio exorbitantes toda vez que sacava dinheiro da minha conta brasileira. Esse é, a meu ver, um dos grandes problemas de profissionais que mudam de país mantendo vínculos financeiros com o país de origem. Além da diferença cambial, há ainda o fator tributário, pois quanto mais vínculos financeiros o profissional mantém com o país de origem, mais complicada se torna a burocracia com a declaração do imposto de renda no novo país.

Nessa minha fase “internacional”, também me dediquei bastante à construção de relacionamentos com o mercado de tradução global, por meio de associações de tradutores, mídias sociais e congressos. Meu antigo blog trilíngue de tradução, o “Fidus Interpres”, foi criado nessa época, dando origem a um livro de mesmo nome. Foi um período de muito aprendizado e troca de experiências. É sempre bom ampliar os horizontes e conhecer perspectivas diferentes – e isso só é possível quando você investe em networking.

Terceira fase: “local is the new global

Com o tempo, trabalhar para agências de tradução internacionais e cada vez menos para clientes diretos já não me trazia tanta satisfação em termos pessoais e intelectuais. O fluxo de renda era bom, mas o ritmo era intenso demais, com condições de trabalho cada vez mais desinteressantes, e eu quase não tinha contato com as pessoas que realmente usariam minhas traduções (afinal, agências são intermediários). Estava na hora de mudar de foco.

O caminho natural foi voltar a atuar na tradução juramentada. Nessa área, na qual eu havia trabalhado durante vários anos no Brasil, como assistente de um tradutor juramentado e depois como juramentado ad hoc, é possível ter um contato maior com os usuários das traduções, aprendendo sobre suas histórias de vida e percebendo imediatamente o benefício que meu trabalho traz para eles. Além disso, minha segunda principal área de trabalho na época era a tradução jurídica, além da financeira, e eu ainda tinha meu grande banco de dados de traduções juramentadas e de terminologia jurídica construído no Brasil, de modo que poderia tirar um bom proveito desse material como tradutor juramentado na Alemanha.

Para cumprir os requisitos legais e obter o título de Tradutor Público e Juramentado em três estados na Alemanha, tive de fazer um curso e prova de linguagem jurídica alemã e obter uma qualificação adicional como tradutor de acordo com o sistema educacional alemão. O título em si não garante nada, pois os tradutores juramentados da Alemanha não têm uma “reserva de mercado” e precisam lutar muito, em razão da concorrência brutal, para conquistar cada cliente. Felizmente, fui bem aceito pelo mercado alemão de tradução juramentada, sobretudo pela comunidade de imigrantes brasileiros, e em 6 anos conquistei mais de 1.200 clientes, sendo que muitos deles retornam com novos trabalhos.

Minha intenção era traduzir sobretudo do alemão para o português, minha língua materna. Porém, devido à burocracia brasileira, traduções juramentadas para o português feitas em outros países geralmente não são aceitas no Brasil. Dessa forma, passei a traduzir mais e mais do português para o alemão. E gostei. Gostei tanto que passei a investir mais em seminários e cursos de aperfeiçoamento em linguagem jurídica alemã, organizados pela associação alemã de tradutores BDÜ, da qual sou associado. Hoje, cerca de 85% dos meus rendimentos são com tradução juramentada; destas, 90% são em alemão (jurídico), para uso exclusivamente no território da Alemanha. Além disso, somente aceito pagamentos na moeda do meu país (euros). Minha empresa não tem mais conta bancária no Brasil e trabalha quase sempre para clientes locais. Meus vínculos com o Brasil e com a língua portuguesa são mantidos, claro, pelas vias de sempre (viagens, leituras), mas no plano profissional faz mais sentido investir 100% no novo país do que manter “um pé aqui e outro lá”.

Para alguns, esse foco local pode parecer temerário. Por outro lado, para citar um bordão muito frequente entre analistas da globalização, “local is the new global”. De qualquer forma, saber se adaptar às circunstâncias e aproveitar oportunidades é uma questão de sobrevivência profissional.

Sobre o autor
fabiosaid

Fabio Said é tradutor de inglês desde 1993 e de alemão desde 1999, especializado em linguagem jurídica e financeira. Vive na Alemanha desde 2007, onde é Tradutor Público e Juramentado de português-alemão e mantém a empresa de tradução “Lingua Brasilis Übersetzungsbüro Fabio Said”. É autor do livro “Guia do tradutor: melhores práticas” (2013). Twitter: @fabiomsaid