Guest post: Português e suas variantes

Sejam bem-vindos de volta a mais uma publicação convidada, queridos leitores!

Hoje, tenho o prazer de receber uma colega que divide a variante do português do outro lado do oceano, a portuguesa Tina Duarte.

Seja bem-vinda, Tina!

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Imagem fornecida pela autora

De braço dado

Não me recordo exactamente que idade tinha quando peguei pela primeira vez num livro de Jorge Amado, que me condenou a uma paixão eterna por um universo de personagens tão ricas e com tantos matizes, e pela forma, ora doce, ora crua, como as palavras tão bem desenhavam a história, mas creio que teria uns treze anos. Nessa altura, já conhecia Jorge Amado de nome, lembrava-me vagamente da Gabriela e do Seu Nacib[1] na televisão e já me tinha deixado encantar pelo “português com açúcar[2]” das histórias infantis de um disco de vinil, que uma amiga da família tinha trazido do Brasil, e que eu ouvia sempre com muita atenção, sentada ao lado do gira-discos.

Cresci e aqueles livros e aquelas personagens abriram a porta a um mundo desconhecido, que me fez querer conhecer escritores, cantores, músicos e artistas brasileiros. Para além da perspectiva diferente que uma cultura distinta da nossa nos garante, havia sempre a possibilidade de apreciar a língua, a forma como do outro lado do Atlântico se desconstruíam e verbalizavam emoções, se descreviam situações e realidades. Este gosto muito particular, hoje aliado ao exercício da minha actividade como tradutora, prevalece e continuo atenta à evolução e às diferenças que estas duas variantes da língua apresentam.

A língua portuguesa levada ao Brasil, a países africanos e regiões asiáticas por conta da expansão do território de Portugal, durante os Descobrimentos, tem 273 milhões de falantes, é língua oficial de nove países e uma região administrativa especial, sendo o Brasil o que regista um maior número de habitantes, tornando assim incontornável o seu contributo para a divulgação e importância da língua ao longo dos anos.

Esta nossa língua regista diferenças significativas entre o Português que se fala em Portugal e o Português que se fala no Brasil, quer a nível de ortografia, fonética, semântica, sintaxe e morfologia. Na base dessas diferenças, coexistem as diferentes influências que a língua foi absorvendo de um lado e do outro. Assim, denotamos a existência de inúmeros vocábulos derivados da língua tupi e o predomínio exercido pelo inglês (por proximidade geográfica aos Estados Unidos) no Português do Brasil, ao passo que, do lado de cá do Atlântico, será mais forte a influência de outras línguas românicas. A compreensão entre falantes portugueses e brasileiros não é certamente impossível, mas a comunicação formal, pela sua formulação mais estática e convencionada, será sempre mais facilitada do que uma conversação entre um português e um brasileiro que habitualmente não tenham contacto com a outra variante da língua.

Considero que a ideia veiculada por algumas pessoas da possibilidade de existência de um Português Universal, e que seria até uma das justificações para o Acordo Ortográfico de 1990 por se tratar de uma forma de unificação da língua, está totalmente desadequada da realidade. Estamos perante duas variantes da língua muito diferentes e que não apresentam qualquer tendência a, de alguma forma, convergirem.

Penso com frequência em imagens que ilustrariam o que são actualmente o Português de Portugal e o Português do Brasil: a de um jardineiro que plantou duas sementes de árvores iguais, em terrenos diferentes e deixou que crescessem, espraiassem os seus ramos e criassem os seus frutos, todos diferentes e, no fundo, todos iguais. Ou a de uma mãe que deu o braço à sua filha, jovem adulta, e ajudou-a a sair da sua cidade e a instalar-se numa outra cidade do outro lado do rio. Têm personalidades diferentes, vivem as suas vidas, seguem e absorvem tendências distintas, amadurecem e, no entanto, o laço que as une é indestrutível e inegável.

[1] Gabriela foi a primeira novela a ser transmitida em Portugal, em 1977, três anos após a Revolução do 25 de Abril, que pôs fim a mais de 40 anos de ditadura em Portugal.

[2] Termo que o escritor português Eça de Queirós terá utilizado para designar o Português falado e escrito no Brasil.

Sobre a autora
cópia_foto_out2016AZd_0751 (4)Licenciada em Tradução, Tina Duarte trabalha como tradutora freelancer desde 2006. Sócia e membro da Direcção da APTRAD – Associação Portuguesa de Tradutores e Intérpretes. Trabalhou anteriormente na área da exportação, deu aulas de inglês a adultos e foi fundadora e dinamizadora de uma organização relacionada com a defesa do património natural e construído.

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