Nesse último fim de semana, de 15 a 17 de junho, foi realizado o 9º Congresso Internacional de Tradução e Interpretação da Abrates (Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes), no Rio de Janeiro. A localização não poderia ser melhor: Rio Othon Palace, hotel em frente à praia de Copacabana, cuja beleza nem o tempo ruim foi capaz de diminuir.
Eu e minha grande amiga Carolina Ventura, supercompanheira de aventuras e de profissão, chegamos já na quinta-feira, pois queríamos aproveitar para descansar um pouco antes do congresso e aproveitar a cidade. O tempo, como eu já disse, não ajudou muito, mas conseguimos pelos menos ir à Confeitaria Colombo comer torrada Petrópolis e nos encantar com sua beleza.
Na sexta-feira, aproveitei a tarde para gravar alguns episódios para o podcast TradTalk que, aliás, voltará com a segunda temporada no mês de julho. Aguardem! Conversei com a Ana Julia Perrotti-Garcia; a Liz e a Pati, da Ideal Translation; e o Fabiano Cid, da Ccaps. Todos bate-papos deliciosos! Mal posso esperar para vocês ouvirem/assistirem.
Com o tema “Tradução e interpretação: inclusão de palavra em palavra”, os keynotes de abertura, Petê Rissatti e Rane Souza, mostraram que o tema da inclusão e da diversidade seria o foco do congresso. Como disse Roney Belhassof no Twitter, “É emocionante estar em um congresso com dois keynote speakers negros. Um homem e uma mulher.” Não deveria nos causar estranheza (boa, nesse caso), mas como disse o próprio Petê, embora estejamos em pleno 2018, infelizmente, ainda é necessário discutir alguns tópicos. Petê é negro, gay e candomblecista e fala com conhecimento de causa. Segundo ele, não temos o direito de dar nossa opinião sobre o lugar de fala alheio, mas podemos, sim, falar segundo o nosso ponto de vista, de forma empática. Concordo com ele quando diz que traduzir e interpretar são atos de empatia. Consequentemente, todo tradutor/intérprete precisa ser empático e entender o outro. E, para sermos empáticos, precisamos nos livrar dos preconceitos. Petê, tradutor literário, encerra sua emocionante fala exigindo respeito: “Não dá pra continuar do jeito que está. Nós temos pressa!”
Tanto no encerramento da fala do Petê quanto no início da fala de Rane Souza, também tradutora, Marielle Franco é mencionada. Rane, por sua vez, nos mostrou números e fatos da história negra no Brasil. Embora seja falado em minoria, 56% da população brasileira é negra/parda. Infelizmente, não há dados específicos sobre o mercado da tradução, mas no Jogo do Privilégio, proposto por ela, pudemos ver que não há representatividade. Entre os cerca de dez voluntários, apenas dois eram negros. O propósito do jogo, criado pelo Instituto Identidade do Brasil, é mostrar como a desigualdade racial afeta todos os aspectos da vida dos negros. A princípio, muita gente, inclusive eu, acreditou que o jogo não funcionaria; afinal de contas, quem estava lá, querendo ou não, teve uma realidade de vida diversa. No entanto, o jogo foi chocante e emocionou a nós todos. Uma coisa é ouvirmos falar sobre desigualdade racial; outra coisa é vermos ou sermos expostos, de alguma forma, às consequências dela. Por fim Rane nos disse: “Sou perseguida por policiais TODOS os dias em lojas e estabelecimentos comerciais!”
Assim como na hora, agora fiquei novamente sem ação (e com lágrimas nos olhos) após relembrar essa frase impactante. Eu, em toda a minha brancura, jamais saberei na pele o que é isso. No entanto, fico feliz em sentir, com ela, com o Petê, com a tragédia da Marielle Franco, com meus amigos. Ao chorar ouvindo relatos desse tipo, dou-me conta de que sou humana, que sinto as dores dos meus iguais, que respeito o lugar de fala alheio e só posso tentar entender, embora saiba que jamais serei capaz de saber de fato como é. Isso é um sinal de que estou no caminho certo e que é meu dever como ser humano ajudar meus iguais.
Fazendo uma ponte com a fala de abertura do William Cassemiro, presidente anterior da Abrates, Rane encerra ressaltando que precisamos estimular a profissionalização do nosso mercado em todos os sentidos, inclusive para os negros. O que podemos fazer? Observar nossas próprias práticas e aumentar a representatividade. O negro se sente mais à vontade sendo traduzido/interpretado por outro negro.
Após toda essa carga emocional e inclusiva da abertura, o primeiro dia de palestras começou, para mim, também com chave de ouro com a apresentação da Aline Tomasuolo, com o título “O método Starbucks aplicado ao mundo da tradução”. A Aline foi mentorada do Programa de Mentoria da Abrates, na época em que eu ainda era coordenadora, e me deixou impressionada com sua evolução profissional. Apresentação visualmente impecável, conteúdo extremamente relevante, detalhes que fizeram a diferença. Ela aplicou em sua apresentação e comprovou, com isso, que também aplica sua fala na prática: padronização de qualidade e personalização do atendimento. Aline disse que, segundo a Adobe, no futuro, as pessoas não comprarão mais produtos, mas experiências. Eu acredito que isso já seja verdade. Pense nos serviços que você usa, nos produtos que consome. A padronização e a personalização aumentam a valorização do mercado de tradução. Um cliente encantado resulta em fidelização e divulgação. Como tradutores, precisamos assumir nossa identidade. As palavras têm poder. Não “fazemos” tradução, somos tradutores! Além disso, devemos manter um canal de comunicação aberto e claro com os clientes, informando sobre disponibilidades/indisponibilidades, e descobrir a preferência de cada um deles. Com isso, nossa própria humanidade acaba sendo um diferencial nos serviços que prestamos no atual mundo tecnológico.
A segunda palestra à qual assisti foi “O método Harvard de negociação para tradutores e intérpretes”, por Claudio Pereira. Uma das principais dicas do Claudio foi que, em uma negociação, devemos focar no problema, não nas pessoas. Segundo ele, devemos ter critérios objetivos e diferentes opções. Precisamos entender o cliente, nos preparar e vender o serviço antes de informar o preço: mostrando os valores que serão agregados com ele. Devemos nos comunicar com segurança e passar segurança para o cliente, descobrir pontos em comum/conflitantes: o que o cliente sabe sobre nós e vice-versa é relevante em uma negociação. Devemos ser criativos e pensar em diferentes formas de satisfação mútua.
Como vocês podem ver, não cheguei nem na hora do almoço do primeiro dia ainda e já teve muita coisa legal! Como ainda tenho muita coisa interessante para passar para vocês, deixarei para uma segunda publicação, em breve, não se preocupem. Fiquem ligados!
OBa! Amei o relato, Carol. Já me organizando para estar lá ano que vem.
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Sim, please! Quero te ver! 😊
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Excelente! Não pude estar na abertura do Congresso, mas me senti lá depois de ler o seu texto. Muito obrigado! Abraços
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Olá, Ulisses!
Nunca é fácil expressar em palavras algo vivenciado e sentido, e sei que não consegui fazer isso 100%, mas fico feliz que tenha conseguido passar pelo menos parte disso.
Agradeço a visita e o feedback!
Um grande abraço
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🙂
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Emocionante e tão delicioso o seu relato, Caroline. Fico à espera das próximas publicações. ❤
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Muito obrigada, Tina! Fico muito feliz que tenha gostado.
Estou escrevendo a segunda parte. Ela deve ser publicada hoje ou amanhã, no máximo. 😉
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Pingback: Tradução e interpretação: inclusão de palavra em palavra – Parte 2 | Carol's Adventures in Translation
Carol. Muito obrigado pela sua presença na minha palestra sobre o “Método Harvard de Negociação”. Seu relato evidencia a importância da negociação em nossas relações profissionais e pessoais.
Parabéns!!!!
Claudio Pereira
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Olá, Claudio!
Eu é que agradeço a visita e o feedback.
Abraço
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Pingback: Tradução e interpretação: inclusão de palavra em palavra – um pouco da ABRATES – Mundo Cat